quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Casa de vó

Tudo meio velho, meio empoeirado. Cheiro de lembranças e de café com leite. Gosto de almoços e jantares de família. Sons eternos de crianças correndo pelo corredor, jogando na rua. Aquela comida que já fazia qualquer criança com joelho ralado salivar da rua. Inspiração. Infância e carinho.

Aos 83 anos, Lucy não consegue ficar parada. Triste, às vezes ela fica. Mas nunca mais que um dia ou dois. Dona de uma senhora vitalidade, difícil encontrá-la em casa. Sassarica pelo bairro, pelo centro. Adora ser aposentada, principalmente a parte do transporte público gratuito. Pega mais ônibus que muito ambulante.

Às vezes fica esbaforida ladeira acima, mas não arrega. Tinha companhia toda noite, o neto Fábio, imigrado para a Austrália há 6 meses. Sente saudades, cuidavam um do outro, está mais descuidada. Carente.

Lucy guarda o resto do arroz no forno. E a farofa e o frango também "Não estraga não, filho. Pode ficar uns 3 dias tranqüilamente." E ela não faz suco, faz "refresco". De maracujá, meia tonelada de União. Não diz "merda", "droga" ou "bosta", mas "coisa chata" ou "purcaria".

Sobre o bufê da sala repousam belíssimas taças, tudo simples, mas charmoso. Um charme deselegante, desarrumado. Ali, repousa também uma caixinha de papelão com colheres e uma escrita em cima: "Jogo de colheres dados pelo chefe de minha irmã, em agradecimento por eu ter ajudado numa tradução. Por volta de 1945. Veja qual de vocês (filhas) quer". Poxa, que tesouro. Parece que Lucy está preocupada com quem vai cuidar de seus objetos. Não deveria, é mais forte do que pensa.

As mais de 8 décadas não tiraram seu gosto por descobrir o novo.

Lucy sempre gostou que coçassem suas costas. Isso era uma alegria enorme. Quando pequena, na fazenda, pagava sua irmã para fazer um serviço extra. E sempre pediu isso aos netos, desde pequenos. Nunca negamos... Anteontem Lucy percebeu que não era bem coceira o que acontecia nas costas.
- Engraçado esse negócio que você faz com os dedos. É gostoso, filho.
- Chama massagem, vó.
- Ah, é? Não conhecia... muito bom.

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