Não sabia o que era um frio desses há mais de 6 meses. Por incrível que pareça não tive dificuldades para acordar às 04h30, sem despertador. Tudo escuro, 4 blusas. O termômetro apontava 8°C, não duvidei. Passos apertados para enfrentar um ventinho teimoso. Medo não, ansiedade talvez, pena com certeza.
Não fazia idéia de que era como é.
Sempre senti que o Estado tomava a terra de quem só queria erguer ali sua pequena morada. Eu condenava por automatismo. Que injustiça aquele monte de tropa de choque assustando mulheres e crianças a cada batida de escudo. Um compasso sinistro. O sol nascia, 6 e pouco. Os moradores acordavam lentamente, remelas nos olhos. Alicate começa a quebrar correntes. E sonhos também.
Jardim Iguatemi, fronteira da jurisdição das subprefeituras de São Mateus e de Itaquera, onde trabalho. Cerca de 50 famílias morando numa área de manancial, considerada de risco, beira de córrego, que deve ficar livre para encher em caso de chuva. Lei da natureza. Punk pra gente entender isso. Do outro lado, na parte de São Mateus, vai passar um trecho da Jacu-Pêssego, interligado ao Rodo-Anel, obra da Dersa. Enfim, a turma precisava sair.
Complicado chegar no papel do Estado, com a responsa de colocar aquilo tudo abaixo e sem ter uma garantia de onde essas famílias serão levadas. Desnecessário dizer que há um déficit imenso de habitação no País e que não há apartamentos perfumados esperando por eles, como eu de coração queria que fosse. Isso dói o coração. E o pior é que pensamos que é necessária ordem do juiz para isso, mas não é.
O seu trabalho é tirar aquelas pessoas dali sabendo que elas irão para um desconfortável albergue da Prefeitura por uns dias e de lá para algum lugar incerto. Para a rua ou pruma outra ocupação. Esse é o caso da grande maioria. Mas existe uma desconhecida maioria.
Esses são os que se utilizam da indenização que a Prefeitura paga para criar um comércio ilegal. Funciona assim: o cara recebe 5 mil reais para ter seu barraco destruído. Pega, investe mil e poucos num novo, numa outra área já ocupada. Coloca um amigo ou primo morando dentro e, caso a Prefeitura vá derrubar, ele paga 2 ao camarada e fica com o resto.
Fiscais me contaram que reconheciam vários dos que na semana passada clamavam ser os donos quando tentaram desocupar outros barracos vizinhos, eram inclusive os cinco ou seis agitadores. Era evidente quem eram, nem precisei perguntar. As famílias que ali moravam foram cadastradas ha seis meses e seriam indenizadas pela Dersa, mas quem estava morando ali agora já não eram as mesmas famílias cadastradas de outrora. Sentiu o drama?
Daí baixaram por lá uns deputados do PT se fazendo de justiceiros do povo e os incitaram a se rebelar. Ser oposição é a coisa mais fácil do mundo. Complicada a situação foi ficando porque a Guarda Civil Metropolitana (GCM) não tinha equipamentos e nem know how para quebrar um cordão daqueles. Mesmo assim, o pau começou a quebrar do meu lado e em instantes me encontrei sob uma chuva de pedras e tijolos, tentando procurar abrigo. A GCM tentava bater e os manifestantes arremessaram um tanquinho sobre um oficial, que teve um feio corte na testa.
Corre corre. E a PM La no fundão só olhando. Comandante deles praticamente não agiu. O povo retomou o controle. Todas as 6 maquinas esperando, sendo uma delas alugada por 15 mil reais ao dia. Cerca de 100 operários esperando, ociosos e sem servir ao município naquele dia. Cerca de 90 GCMs tensos e sem apoio dos 20 homens da PM.
O pior é saber que minha missão como assessor de imprensa da subprefeitura foi cumprida, já que nenhuma câmera de TV ou jornal registrou o momento do confronto, coisa que faria a notícia subir de grau para concorrer com as notas secundárias sobre o voo da Air France. Todos sabem que houve, mas a imagem só tem quem ouviu pedra sussurar nos ouvidos. E a bucha ficou mais pra turma da Sub de São Mateus. Ainda ajudei uma esperta repórter do Agora SP a apurar até tarde, atendendo ela inclusive depois do meu banho.
Enfim, mesmo dois dias depois não sei direito o que senti ali ainda, além do medo de tomar uma pedrada e de perceber que tudo faz parte de um imenso jogo político. E de saber que alguma hora a turma vai ter que sair dali, numa boa ou não.
Não fazia idéia de que era como é.
Sempre senti que o Estado tomava a terra de quem só queria erguer ali sua pequena morada. Eu condenava por automatismo. Que injustiça aquele monte de tropa de choque assustando mulheres e crianças a cada batida de escudo. Um compasso sinistro. O sol nascia, 6 e pouco. Os moradores acordavam lentamente, remelas nos olhos. Alicate começa a quebrar correntes. E sonhos também.
Jardim Iguatemi, fronteira da jurisdição das subprefeituras de São Mateus e de Itaquera, onde trabalho. Cerca de 50 famílias morando numa área de manancial, considerada de risco, beira de córrego, que deve ficar livre para encher em caso de chuva. Lei da natureza. Punk pra gente entender isso. Do outro lado, na parte de São Mateus, vai passar um trecho da Jacu-Pêssego, interligado ao Rodo-Anel, obra da Dersa. Enfim, a turma precisava sair.
Complicado chegar no papel do Estado, com a responsa de colocar aquilo tudo abaixo e sem ter uma garantia de onde essas famílias serão levadas. Desnecessário dizer que há um déficit imenso de habitação no País e que não há apartamentos perfumados esperando por eles, como eu de coração queria que fosse. Isso dói o coração. E o pior é que pensamos que é necessária ordem do juiz para isso, mas não é.
O seu trabalho é tirar aquelas pessoas dali sabendo que elas irão para um desconfortável albergue da Prefeitura por uns dias e de lá para algum lugar incerto. Para a rua ou pruma outra ocupação. Esse é o caso da grande maioria. Mas existe uma desconhecida maioria.
Esses são os que se utilizam da indenização que a Prefeitura paga para criar um comércio ilegal. Funciona assim: o cara recebe 5 mil reais para ter seu barraco destruído. Pega, investe mil e poucos num novo, numa outra área já ocupada. Coloca um amigo ou primo morando dentro e, caso a Prefeitura vá derrubar, ele paga 2 ao camarada e fica com o resto.
Fiscais me contaram que reconheciam vários dos que na semana passada clamavam ser os donos quando tentaram desocupar outros barracos vizinhos, eram inclusive os cinco ou seis agitadores. Era evidente quem eram, nem precisei perguntar. As famílias que ali moravam foram cadastradas ha seis meses e seriam indenizadas pela Dersa, mas quem estava morando ali agora já não eram as mesmas famílias cadastradas de outrora. Sentiu o drama?
Daí baixaram por lá uns deputados do PT se fazendo de justiceiros do povo e os incitaram a se rebelar. Ser oposição é a coisa mais fácil do mundo. Complicada a situação foi ficando porque a Guarda Civil Metropolitana (GCM) não tinha equipamentos e nem know how para quebrar um cordão daqueles. Mesmo assim, o pau começou a quebrar do meu lado e em instantes me encontrei sob uma chuva de pedras e tijolos, tentando procurar abrigo. A GCM tentava bater e os manifestantes arremessaram um tanquinho sobre um oficial, que teve um feio corte na testa.
Corre corre. E a PM La no fundão só olhando. Comandante deles praticamente não agiu. O povo retomou o controle. Todas as 6 maquinas esperando, sendo uma delas alugada por 15 mil reais ao dia. Cerca de 100 operários esperando, ociosos e sem servir ao município naquele dia. Cerca de 90 GCMs tensos e sem apoio dos 20 homens da PM.
O pior é saber que minha missão como assessor de imprensa da subprefeitura foi cumprida, já que nenhuma câmera de TV ou jornal registrou o momento do confronto, coisa que faria a notícia subir de grau para concorrer com as notas secundárias sobre o voo da Air France. Todos sabem que houve, mas a imagem só tem quem ouviu pedra sussurar nos ouvidos. E a bucha ficou mais pra turma da Sub de São Mateus. Ainda ajudei uma esperta repórter do Agora SP a apurar até tarde, atendendo ela inclusive depois do meu banho.
Enfim, mesmo dois dias depois não sei direito o que senti ali ainda, além do medo de tomar uma pedrada e de perceber que tudo faz parte de um imenso jogo político. E de saber que alguma hora a turma vai ter que sair dali, numa boa ou não.
é guri... rapadura é doce, mái num é mole não!
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