quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Breve história de Velório

Olhar sonolento, mas cheio de uma simpatia doce. Voz fina, lingua sutilmente presa, fala pausada, já pensaram que era gago, mas né não. Agora já calvo, contudo ainda tem charme, se é que brinco de pedrinha ainda pode ser considerado charme. Charm é o que ele fuma e o que exala dele, poroso. Foi atropelado três vezes em serviço, quem disse que é moleza ser aqueles operários que agitam bandeirinhas na estrada ou mesmo na cidade quando tem alguma obra na pista?

Antonio Carlos Ramos de Azevedo é nome de glamour, sobrenome de quem projeta edifícios-símbolo, marcos culturais. Mesmo dono de uma imponente nomenclatura, o sir é conhecido por toda a parte como Velório, a explicação há de vir mais abaixo. Claro que não apenas se fazia de quase morto, agitando flâmulas sem entusiasmo, vale frisar que pegava no duro também, peão mesmo. Como bem se sabe, tapar buracos não é arte, é ciência. E digamos que nosso herói era doutorando ou, quem sabe mais até, postulante a livre docente no tema.

A única possibilidade que se mostra para um acadêmico comum abandonar seu tema de estudo parece ser o tédio, uma enfadonha overdose do tema. Já no caso de Velório foram outras as razões de seu guinchamento. Por três vezes enquanto estava a serviço foi atropelado, após a última o médico deu um laudo que o o obrigaria a mudar de setor. Virou um carimbador de papel de luxo, office boy de 61 anos.

O que ele mais queria hoje de manhã era tapar um buraquinho, refazer uma capinha asfáltica aqui e ali, sentir o cheiro de piche do dever cumprido. Escrito assim parece até apetitoso, não? Mas no momento tem apenas uns carimbos a bater e processos a protocolar no departamento de cadastro de uma subprefeitura qualquer.

E tem amigos, claro. Joga conversa fora, conta piada, cartas de baralho e faz maço no truco. Sempre gostou de um mézinho de leve e foi numa noite mais embalada, muitos anos atrás que Antonio foi ao funeral da mãe de um colega de trabalho. No entanto, havia passado a tarde toda sorvindo água que babuíno não sorve. Na entrada do salão, sutilmente esbarrou no caixão. E como numa rima óbvia terminada em ão, foi velha prum lado, coroa de flores pro outro, ao melhor estilo pastelão. Pronto, o apelido grudou mais que piche em manta asfáltica.

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