quarta-feira, 23 de junho de 2010
O prato, a chave
Deliciosa aquela torta, me lembro. Da textura, dos farelos, era sua especialidade. O recheio, o creme, a aparência maravilhosa. Quando chegava à mesa todo mundo salivava. Mas não me lembro o sabor, não. Se era doce ou salgada, ácida ou não. Me lembro da presença dela no imaginário de todos. A torta da tia, que ela fazia de vez em quando, quando alguém fechava uma rotação do sol. Que era um evento, que conseguia atrair até o menos apegado dos primos, dos cunhados, dos irmãos. Arrastava os estômagos até o bairro que fosse, na casa de quem fosse, fizesse o frio que fosse. Falar com ela sobre a receita era quase como falar da adoção de uns primos, beirava um tabu religioso, ninguém se atrevia. E a novidade, chefia, qual é? Que tocou o telefone e era a tia, resmungando sua velhice e dores, convidando para aprender dia desses o seu segredo maior. Frisei a ela que sou jornalista e não tenho vocação para líder gastrnômico, se bem que poder comandar uma horda de gulosos pode me ensinar muito sobre manipulação. Nossa, poder alucinar neguinho com minha comida, fazer fortuna, virar Jamie Oliver e deixar de ser caça. Hum, tia, vou aí comer a divindade para poder pensar melhor.
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Desabafa, querido.