Seu Armando ultimamente mal falava “ôôba!”, apenas erguia o braço, um sorriso de quando em vez. Não, nunca trocamos idéias, ao contrário de outros vizinhos. Era uma relação de olhares e cumprimentos sinceros. Eu sempre percebi o quanto ele foi declinando depois que Dona Ana, sua esposa, tomou o rumo dos pombos há uns 4 ou 5 anos. Ele sempre ali, olhar perdido, sentado no quintalzinho com alguns vasos de plantas que praticamente crescem sozinhas. Mas nada de melancolia explícita, era natural, só restou ver o tempo passar. E ele fazia isso placidamente.
Colocava as gaiolas de seus dois canarinhos na varanda, com almeirão pra cantarem felizes. E a felicidade era a garganta de cada um deles ecoando nas paredes de onde os pombos fitavam tudo. Os ratos alados tinham moral, pois sempre me pareceu que Seu Armando cuidava deles melhor que do neto Rafael, que espichava assustadoramente a cada pelada que eu jogava de nunca em vez.
Não foram poucas vezes que pensei em parar e tentar assuntar com Seu Armando uma tentativa de persuadi-lo a parar de alimentar as pombas, já que até ele devia saber que transmitem doenças. Mas ele as tinha como companhia, eram talvez as primas pobres de seus canarinhos amados. E quem sabe tivesse a esperança de um dia cantarem tão lindamente. Na sexta-feira de madrugada Seu Armando partiu para encontrar Dona Ana num mundo onde, quiçá, pombos possam cantar como canários.Talvez lá, porque naquele telhado já não estão mais.
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Desabafa, querido.